sexta-feira, 21 de setembro de 2007
Máquina de Lavar
Os olhos abrem-se, tem acontecido muitas vezes e já percebi que não há muito a fazer, já nem me irrito, de que me serve, levanto-me, dou de frente com umas olheiras, encolho os ombros e sigo, já nem tento contrariar, para quê, chatear-me, seja o que for há-de passar, um dia vou reconciliar-me com o sono, já me resignei e desisti de contrariar estes voos nocturnos, ainda que eles me custem parte do dia, entendo-os e por isso aceito-os, simplesmente, lembro-me agora que, já lá vai um bom tempo, não muito, caía de sono no primeiro encosto e não vivia melhor por isso, percebo e, só por isso, condescendo, o que me tira o sono não é vontade alheia, já não tenho é a mesma complacência com os outros absurdos, mas lá chegarei, à custa de horas e horas que o sono me rouba para me deixar pensar e tentar decifrar os meus enigmas, mas pouco importa, há-de valer a pena, nem que seja só porque deixam de o ser, durante tempos e tempos vivi a esquecer-me de pôr máquinas de roupa a fazer, às vezes até preparava tudo, detergente, amaciador, pastilha de lexívia delicada, mas eficaz, só faltava carregar no botão para aquilo começar a desandar, mas era fatal como o destino, de manhã acordava e a roupa continuava suja, na primeira vez, acho que até abri a porta e toquei para ver se não tinha sonhado, e assim sucederam-se as noites de máquinas por fazer, isto irritava-me, como é possível, sou esquecida, mas tenho tido ajuda, lembram-me tantas vezes, a certa altura, em vez de 'boa noite', já ouvia 'não te esqueças de pôr a máquina de lavar', ora aí está, foi aí que eu finalmente percebi porque detestava máquinas de lavar, até certa altura, nas poucas vezes que não me esqueci, até de portas fechadas o barulho me irritava, estava explicada [a minha filha acordou, pediu-me um bocadinho de luz para poder ver o cãozinho, ups...] a minha alergia ao electrodoméstico e, mais tarde percebi, essa e tantas outras coisas, se há coisa que ainda hoje, à beira dos 40, uma amiga minha diz que estou a passar mais cedo pela crise dos 40, ela lá saberá, mas, se há coisas que tiram o sono são as miudezas e as bugigangas, fico passada com as máquinas de lavar desta vida, não consigo, já tentei, mas não consigo entender como é se que perde tempo assim, com tanto para fazer, deve ser por isso que me espanto com certas vidas, mas não passa disso, encolho os ombros, às vezes acho que não consigo esconder um sorriso, e penso, é só mais uma máquina de lavar, mas também já percebi que há quem goste delas, há quem não consiga, aliás, viver sem elas, talvez a sua falta lhes traga as assustadoras insónias, e a mim, desde que não me deixem de dar as boas noites, pouco me importa, a mim o que me importa mesmo é agora ir encostar-me à minha filha, consegui dar-lhe a volta com uma vez sem exemplo na minha cama para me esperar, prometi que se ela adormecesse rápido, rápido eu me despachava, vou sentir o seu cheiro e a sua pele macia, disse-lhe que se ela não tivesse cuidado lhe comia uma bochecha, por acaso os lençois até estão lavados, foram mudados ontem, carreguei, há dias, no botão, e ontem disse à M. que, cá em casa, era eu quem voltava a fazer as máquinas de lavar
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