domingo, 11 de novembro de 2007

Avô

Então Manel,como estás?, Então filhinha, cá estamos!, era sempre assim, sempre igual quando nos víamos, das últimas vezes o meu avô estava sempre sentado no mesmo sofá, junto à janela e em frente à televisão, já não tinha as duas pernas, comidas pela diabetes, uma de cada vez, a segunda já lhe custou menos, senti-o nos olhos dele, a tristeza dos olhos que tentava tanto, mas não conseguia, de mim não, esconder com o seu sentido de humor, a boa disposição que guardava especialmente para mim, para me agradecer as visitas, as palavras e os beijinhos, e até a cadeira de rodas eléctrica que o fazia viajar até ao café para conversar com os amigos, estas viagens que lhe custaram umas quedas, também os olhos, apagados pela diabetes, confundiam as mãos, entre o travão e o acelerador, das últimas vezes, já não me sentava ao colo do meu avô, mas os nossos olhos falavam tanto, das últimas vezes, o meu avô já estava deitado no hospital, à espera de morrer, sabíamos os dois, e todos os dias mandava pela minha mãe beijinhos às meninas, eu e a minha filha, ainda projecto de três meses, ninguém sabia mas todos lhe diziam que ele ia ter um bisneto, mas ele não fazia caso, ele sabia, e eu também, que seria mais uma neta, que se a vida lhe tivesse dado mais uns meses ele iria fazer como comigo, amá-la como se fosse o pai, hoje o meu avô já não está sentado naquele sofá, morreu no dia 1 de Maio de 2001, feliz coincidência para quem sempre se orgulhou de votar no PCP, mas eu ainda o sinto a rir-se para mim, enquanto chorava por dentro.

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