terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Natal V

Os teus olhos meio tristes, a vontade de ficar sozinha, só por um bocadinho, e eu a ver-te, atrás de ti, desejosa de te fazer esqueçer, de te convencer à pressão que está tudo na mesma, que é a vida, hei-de conseguir, um dia, vou conseguir, seria bom demais se conseguisse logo no primeiro Natal, lá ia dar contigo no quarto do lado, a olhar para a parede de fotografias, a tua avó insiste em fazer da casa uma exposição de ti, de ti com a mãe, de ti com o pai, de ti com o gato, de ti com o piriquito, enfim, os teus olhos, eu vi, paravam no que te faltava, mas não deste parte de fraca, nunca dás, lá confessaste, à terceira, que estavas meio-triste, mas não me contaste porquê, quase nunca contas, não insisti, sei bem, mas lá voltaste, és tão crescida, de que te valia continuar a chover no molhado, o melhor era seguir para bingo, e despachar depressa uma noite forçada, venham os presentes, que já estou cansada destas coisas a que chamam Natal, mas qual Natal, o Pai Natal é uma treta e o Menino Jesus, nem o conheço, não gosto nada de bacalhau, as filhoses não são más, é verdade, mas se não fossem os presentes, de pouco me serviriam tantas horas no mesmo sítio, ai, sabe-me mesmo bem chegar a casa!, e agora, agora vou mudar de vida, outro Natal, outra avó, outra casa, desta vez sem ti, enfim, eu vou habituar-me, não pode ser já, só mais um bocadinho, se me vires meio-triste, vai passar, não sei quando, mas vai, venham os presentes, não é isto tudo o Natal

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