quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Ouvir

Não gosto de pensar no pior, detesto o pessimismo e o miserabilismo, não sou optimista profissional porque não preciso que me paguem, sou e basta, é por isso que não gosto de falar das coisas agrestes, verdadeiramente agrestes, às vezes, penso que só pensar pode ser meio caminho andado para elas acontecerem, e dou por mim a bater na madeira, que ridícula, é esta a minha única superstição, e assim ando há dias, sem conseguir, a pensar em escrever sobre o meu ouvido bloqueado, que mais parece um rádio dessintonizado e me faz sentir um peixe dentro de um aquário, os ãhns, meus e dos outros, de manhã à noite, irritam-me, irrita-me a ideia de poder ficar sem ouvir do lado direito, irrita-me não poder usar o meu iPod e também me irrita não poder ir ao Tóquio sexta-feira, não poder ir patinar no sábado, enfim, ando irritada, e ansiosa também, ainda faltam uns dias para o otorrino me contar o que fez um filho-da-mãe de um vírus ao meu ouvido interno, se o estragou de vez, ou se apenas entupiu de porcaria o tímpano, ouvido, otorrino, vírus, infecção, lesões, para aqui estou eu, mais dada a desconcertar, a falar de coisas tão importantes, não consigo deixar de me sentir tão estranha, tão corriqueira, mas, como diria alguém, a vida é mesmo assim, e nestas alturas, é difícil não ter medo, mas um medo verdadeiro, é que preciso tanto de ouvir, sei que se perder a audição do direito me sobra o esquerdo, mas não seria a mesma coisa, e bato na secretária com os nós dos dedos, e penso que preferia ficar sem o paladar, eu, que me auto-proclamo tão sensitiva, dou por mim a pensar num mal-menor, no menos importante dos meus sentidos, e o medo existe, está cá, mas não, não pode ser, não sei porquê, mas sinto que o que me fecha o ouvido direito é algo muito prosaico, diria mesmo que é merda, que vai acabar, mais cedo ou mais tarde, por sair, como, não sei, pouco me importa, e acredito, deixa-me, que dentro de momentos, recuperarei os meus dois ouvidos, gosto tanto de ouvir

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