terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Viagem
Uma viagem curta, demasiado curta, mas suficiente para incomodar os olhos, não os dela, que estão tranquilos, já viram o que tinham a ver, já conhecem de cor o incómodo dos dele, mas, marotos, não sossegam, olham, provocam, riem, discretamente, de tamanho embaraço, não conseguem deixar de notar a agitação dos dois pontos negros, ora para cima, ora para baixo, o espaço faltava para os lados, e a conversa, forçada, tantas vezes a mesma pergunta, - Estás bem? O dia hoje correu melhor?, tanta preocupação escondida, ele já lhe tinha dito que não foge, que se esconde, era escusado, ela já sabia, e as portas a abrirem-se, já, o desapontamento misturado com a pressa - Até amanhã! Beijinhos!, mais uma vez, a vontade dele de fugir para se esconder, e ela, sem nada para dizer, acha que já disse tudo, deu-se conta de um recuo, pequenino, percebeu, mas fingiu que não, e seguiu caminho, para lhe dar paz, é que a consciência, às vezes, decide fazer das suas, achar-se dela e dar uma de caridosa, tola consciência, porquê?, logo a ela, que conhece de cor as intenções, que não quer saber se são boas ou más, logo a ela que já mandou a sua consciência passear, ir antes falar com a dele, a ela, ali, nada lhe pesa, - Até amanhã! Beijos!, e a calma dela ainda lhe chega para prender um pouco mais os olhos dele, pobres destes olhos, que se querem mascarar de felizes na terça-feira de Carnaval, de que serve, pensa ela, será só por um dia, um dia de mentirinha, ele gostava de mandar em tudo, até nos olhos, e, tentando, vai-se encondendo enquanto pode, ela já lhe disse uma vez - Que triste vida a de quem se esconde com medo dos olhos!, ele ouviu, deve ter concordado, mas confia nos dias, um a seguir ao outro, acredita que os dias lhe vão devolver os olhos, que um dia se vai deixar de esconder, nesse dia, serão os dois mais felizes, ela vai saltar-lhe para o pescoço e ele, irritado, irá perceber que, desta vez, serão as mãos a desobedecer, que corpo maldito, incapaz de respeitar a autoridade, impensável, pensa ele, pensa e decide, antes mesmo de as suas mãos se agarrarrem à cintura dela, já as cordas enrolam os pulsos, os dois bem juntos e atrás das costas, e ela, tranquila, tenta dar-lhe mais um pouco de paz, entrega-lhe o corpo e beija-o na testa, dá-lhe colo - Vai passar!, ele não acredita nela, a sua natureza desconfiada devolve-lhe o medo, ele tem medo dela, só lhe resta voltar a fugir para se esconder, - Até amanhã! Beijinhos!
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