quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Espelho

Há coisas que me chateiam, outras que me irritam, mas há muito poucas coisas que me zangam, até pode ser fácil sacar-me uma expressão ou palavras agressivas, eu não sabia, mas diziam-me que, nessas alturas, se me visse ao espelho conseguiria entender, nunca me tinha acontecido, os espelhos são poucos, mas, no outro dia, ensolarado, sentei-me, sem saber, em frente ao espelho mais fiel que alguma vez tinha encontrado, não me vi, não era eu, mas lá estava aquilo que me diziam, as linhas duras, a rispidez e as palavras a sair como balas num doloroso ricochete, finalmente conseguia perceber o que me diziam, que, afinal, mesmo quando não estou, nem quero, sou capaz de parecer muito zangada, nesse dia ensolarado, percebi, em frente àquele espelho, que também eu tenho essa disposição, a disposição para combater sempre que me tentam e conseguem mostrar que as minhas verdades são um embuste, custa-me, é verdade, que me digam que aquilo em que quero acreditar não existe, eu já sei, já nem acredito, mas, como vi naquele espelho, não conseguia admitir, nada me garantia que a trave-mestra não poderia começar a ceder, e, por isso, continuava a teimar, a forma que encontrava para me proteger, mas, depois daquela tarde ensolarada, depois de me ter visto ao espelho, consegui perceber que as mentiras, mesmo as mais bem-intencionadas, não me fazem bem, que as suas pernas curtas não me deixam correr, hoje, depois de me teres feito de espelho, deixa-me rir, não consigo evitar, vejo a mentira a querer saltar-te pelos olhos, e tu, aflito, a fechá-los com muita força, a tentar partir o bico do teu lápis que te atraiçoa, a tentar sem conseguir, deixa-me sentir enternecida com o teu esforço, afinal entendo-te tão bem, mas também sei que há espelhos que não mentem, que os nossos olhos podem querer ver diferente, o que não sei é por quanto tempo se consegue fintar a verdade, a mim demorou, foi preciso sentar-me à tua frente

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