quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Sou tempo

Não gosto de revistas de decoração, sou incapaz de perder tempo de loja em loja à procura da mesa xpto, ou do tecido ideal para os cortinados perfeitos, não fui feita para conjugar, para as cores, que parecem multiplicar-se de dia para dia, nem para os padrões, cansativos, não gosto de idealizar espaços, não consigo, nem sei se gostava de ser capaz, prefiro dedicar-me ao tempo, aos momentos, esses sim, consigo antecipá-los, gosto de os imaginar a pensar que os vou viver, sou tempo, não sou espaço, sou gente, não sou coisas, contam-se pelos dedos das mãos, os objectos a que me apego, num repente, lembro-me do iPod, das suas lindas colunas, de um coração que trago ao pescoço e dos meus livros, e, mesmo no caso destes, não morreria se tivesse que os substituir, o dinheiro encarregar-se-ia de me dar outros, não guardo bilhetes de concerto, esqueço datas, nem gosto de coleccionar restos de festa, os que tenho não foi porque quis, mesmo as fotografias que tiro são sempre à minha filha, o único registo material que faço questão de guardar, o resto, muito, guardo em mim, talvez a nossa casa e o uso que lhe damos seja mesmo uma amostra do que somos, a minha acho que é, na minha casa durmo, penso, leio, escrevo e ouço música, na minha casa amo a minha filha, talvez seja por isso que, à beira de mudar de casa, sinta uma estranha indiferença, os meus sentimentos e emoções irão, quem sabe, no mesmo camião que o resto das minhas coisas, e na minha futura casa continuarei a viver e a sentir, aquilo que verdadeiramente me importa, se não for no meu sofá branco, será noutro parecido, senão me sentar à mesma mesa para escrever, será noutra quase igual, se não ler deitada de costas para a mesma parede, tanto me faz, despreocupada, entre o branco o preto, a simplicidade das formas e dos materiais e a força da luz, a única preocupação é que nada me distraia e o espaço nunca falte para as gargalhadas da minha filha,

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