sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Olhos III
Como estás crescida, já tens seis anos, já entendes tantas coisas, já te embaraças e emocionas, as palavras nunca te faltam, os abraços também não, tão meiga, mas hoje, quando nos despedíamos, à porta da escola, e te pedia para olhares para os meus olhos para sentires melhor o meu amor por ti, escapavas, tentavas disfarçar, só aguentavas uma fracção de segundo, custa, não é?, afinal os olhos são mesmo o espelho da alma, agarrei-te no queixo, com meiguice, e disse-te baixinho para olhares nos meus olhos, porque assim irias conseguir ver tão bem como era grande o meu amor, e tu olhaste, emocionada, e eu, eu fiquei tão feliz, porque vi o teu amor e porque tu conseguiste olhar, já percebeste a importância dos olhos.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Canção de embalar
Hoje, sabes a música de cor, é a tua, a nossa música, começaste a ouvi-la ainda na minha barriga, cantava-a, alto e bom som, para ti, para nós, naquela praia deserta, em tantos outros lugares, cantava-a, baixinho, até adormeceres, primeiro no meu colo, depois, já deitada no berço, enquanto te abanava o rabinho gordo de fraldas, e agora, no iPod, cada uma com os seus phones, e tu, tal como eu, tentas imitar os tons da mais bonita canção de embalar, do teu, do nosso Summertime.
Depois de ti
Tentei disfarçar, pôr um ar natural de quem vai à farmácia só para comprar aspirinas, não esperei muito tempo, mas os olhos não largavam a porta, o farmacêutico não demorou, admito, lá me entregou um envelope pequenino, branco, também ele fez questão de o tratar como uma caixa de comprimidos, já não aguentava e ali mesmo saquei do papel, eu achava que sim, mas isso não bastava, mas, afinal, lá estava a cruz no positivo, dia 30 de Março, eu, que detesto datas, esqueço-as, que tenho uma memória de minhoca, sou capaz de refazer todos os minutos desde o momento em tive a certeza que estavas dentro de mim, de ter subido a Calçada do Combro em direcção ao Chiado, de ter pensado que te sentia, de ter tocado na barriga inexistente para te aconchegar, de ter comprado um body, de ter pensado que só nós sabíamos, era o nosso segredo, lembro-me de ter decidido que me iria conter até chegar a casa, ao final do dia, há notícias que não se dão por telefone, ainda agora vejo o sol da Primavera e tanta coisa que me pareceu inexplicavelmente belo, sentia-me a mãe mais feliz do mundo, sou mãe... e depois, os meses foram passando, tão bem, e eu a empanturrar-me de sardinhas, que comia quase todos os dias, hoje, jogamos a ver quem consegue comer mais, e eu, à tua espera, quando te vi, chorávamos as duas e eu, imagina, apressei-me a segurar as minhas lágrimas, achei que não irias entender que eram de felicidade, tinhas as bochechas enormes, ainda hoje não as perdeste e brincamos, eu digo-te tantas vezes que, qualquer dia, te tiro um bocado, eras tão pequenina, pegava-te com um braço, aninhava-te e tu agarravas a minha mama, que momentos, só nós duas, a seguir caías no sono mais profundo, e aquelas bochechas, não me cansava de olhar para ti, tão minha, como nunca mais, sim, porque hoje, quem diria, quem te visse, nunca diria que te transformarias na maior pirata deste mundo, consegues tirar-me do sério, zango-me, castigo-te, mas, no fundo, adoro-te como és, mesmo quando me desafias, como se eu fosse o inimigo, ralho, mas gosto, gosto de te ver desembaraçada, independente, torta, quero-te assim, orgulho-me do teu génio, da tua astúcia, do teu jeito para o desenho, e, como gosto de te espreitar, de te apanhar desprevenida, e a dormir és ainda mais adorável, as nossas bochechas e o ar indefeso fazem-me voltar anos atrás e pensar naqueles momentos em que só dormias embalada com a batida do meu coração, minha filha, poderia estar aqui horas, dias a fio, as palavras nunca se esgotariam, de ti, tudo me importa, depois de ti, pouco me importa...
Tão simples
[Hoje de manhã, deitada na sua cama, antes de arrancarmos o dia a toda a velocidade para não chegarmos atrasadas à escola]
- Amanhã, faz seis anos que nasceste. Foi o dia mais feliz da minha vida e cada dia que passa a ver-te crescer fico ainda mais feliz!
[Abraço e muitos beijos]
- Também foi o dia mais feliz da minha vida, mamã! Adoro-te!
- [?!] Foi o primeiro dia da tua vida. Também de adoro! [ainda abraçadas] Nunca te esqueças que és as coisa mais importante da minha vida! [mais beijos]
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Sou
Ao contrário do que dizemos aos outros, somos, pelo menos eu sou, as melhores pessoas para falar de nós próprios, sobretudo, se conseguirmos dizer o que pensamos e, claro está, se pensarmos, não seremos absolutamente objectivos, mas os que nos conhecem bem também não, por isso, vou tentar despir-me, dificilmente ficarei nua, mesmo perante uma tela negra, agora amarela, mas vou tentar, misturando defeitos e qualidades, conceitos vagos e subjectivos, vou tentar escrever o que sou e o que não sou, cá vai, começando por aquilo que sou, tenho a mania que me conheço, pelo menos esforço-me, sou uma carga de trabalhos, teimosa e determinada, caprichosa e sensível, impaciente e exigente, emocional, precipitada, egoísta... [pausa]... impossível continuar, afinal, iria despejar, muito provavelmente, todas as características que cabem em qualquer ser humano e não escreveria nada do que sou, muito menos do que não sou, tal como na culinária, uma receita só resulta se respeitarmos a quantidade de cada ingrediente e depois misturarmos tudo bem misturadinho, eu tenho uma ideia da minha teimosia e também sei, mais capricho, menos capricho, que sou muito emocional, mas também é verdade que consigo engolir palavras desejosas de escapar, enfim, fico-me por aqui, resumindo, sou uma carga de trabalhos em permanente desconcerto, também sei o que não sou, mas pela mesma ordem de razões, não vale a pena, resumindo, não sou pessoa para rasgar e muito menos para esquecer, e com tanta imodéstia o melhor mesmo é ir ler o meu livro e tentar tornar-me melhor
Palavras
Não me entendas mal, sabes que nunca vais ter que te preocupar comigo, o meu coração pode estar partido mas continua o seu caminho, só não consigo esquecer, acho que nunca serei capaz, sei que não há nada que eu possa fazer, de que nada servem as minhas palavras, mas não consigo, tenta entender, não me entendas mal, nunca terás que te preocupar comigo, mas há dias em que as palavras não se aguentam e teimam em sair de dentro de mim, há dias em que conseguem ser mais fortes que eu, imagina, desde aquele dia, nem sei qual, detesto datas, que esmago palavras, com toda a minha força, que as encolho e despejo para écrans negros, só para não tas dar, porque sei que não as queres, que não te fazem falta, mas há momentos em que já não consigo, quando me lembro de palavras que me deste, fico tão cansada das minhas, que me fazem de nó na garganta, parecem nunca mais acabar, acho que nunca vão acabar, e os meus dedos só ouvem as palavras e eu não consigo, eu tento, mas não sou capaz, tenta entender-me, eu sei que não te desvio, só não sou capaz, dias, e as palavras, as malditas das palavras, que não acabam, que não fogem de mim, acho que nunca vão fugir, e eu que queria tanto acabar com elas, não conseguiria matá-las, mas se pudesse adormecê-las já não seria mau, chego a pensar que se tas for dando, elas acabam por acabar, aos poucos, não sei, vou fazendo o que posso, tenta entender-me, por favor, reconhece o meu esforço, faz o que tens a fazer, nunca te esqueças que não te vais ter que preocupar comigo, nunca, mesmo de coração partido, vou olhar-te nos olhos todos os dias, sempre que for preciso, sempre, e tu vais ver que não encontrarás palavras, nem uma, vais pensar que as palavras acabaram, que acabaram por morrer, mas preciso tanto, se conseguisses imaginar, sei que farias exactamente o que deves fazer, mas também me pesa tanto guardar tudo, chego a perder as forças, dias,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
terça-feira, 27 de novembro de 2007
3769 caracteres
o impulso foi dar um salto da cadeira (que exagero) ir à estante e procurar o livro do desassossego sossegado fiquei quando atrás de uma moldura de pinho (eu e o V. abraçados estávamos com meia casca de uma castanha assada no nariz a imitar palhaços e a brindar a qualquer coisa ainda me lembro do calor da castanha no inverno e no nariz) lá estava o livro do desassossego saltou uma bola de cotão para o lado e pairou para se ir alojar no livro ao lado Gulliver's Travels - Jonathan Swift trouxe o livro comigo o desassossego note-se e na primeira página debaixo do Translator's note tinha assentado a lápis Viagens de Gulliver's e por baixo Travel ainda li a nota do tradutor para descobrir que raio de relação havia entre o livro do desassossego e as Viagens de Gulliver's não encontrei nada encontrei para lá da óbvia aproximação geográfica se calhar a minha anotação não quer dizer nada estava a ler o desassossego quando me devo ter lembrado que o próximo livro a comprar deveria ser as Viagens de Gulliver's porque isso a memória apagou devo ter lido um comprado o outro li o outro e foram juntos para a estante (ou talvez haja alguma referência do pessoa a Gulliver's será) e nem mesmo muitas mudanças de casa encaixotar e desencaixotar permaneceram juntos um ao lado do outro mas adiante porque enquanto penso isto tudo já tinha há muito começado a desfolhar (desfolhar é tirar folhas a) afinal é folhear (volver as folhas de um livro) o desassossego e lá estava o teu excerto na página 48 com a data de 18.5.1930 um suspiro de contentamento e cumplicidade das pessoas que vivem à sombra quando notei que também tinha anotado a lápis o teu excerto ou o excerto de pessoa mas a minha edição está traduzida não sei porquê em inglês e a frase perde algum do seu desconcerto continuei a folhear já não me engano na palavra o livro pois a minha memória pouco ou nada retém muitas coisas tinha eu sublinhado há um capítulo (uma estrofe) que está pintada a lápis a imitar as luzes de néon (isto só dá para rir) para chamar mais a atenção como se a atenção precisasse de ser chamada, afinal a atenção, por definição, tem que estar sempre atenta senão é despromovida olha o que aconteceu ao desatento!!!!! "Some people have one great dream in life wich they fail to fulfil. Others have no dream at all and fail to fulfil even that"!!!!! pensei para comigo eu sou cá destes, dos últimos, quando sublinhei a frase devia estar a pensar que era dos primeiros senão por embaraço nem sequer tinha sublinhado mas decidi que não te ia mandar nenhum dos meus excertos o fernando que me desculpe nem mesmo esse que há cinco linhas atrás leste porquê porque tudo quer dizer alguma coisa e eu não te queria dizer nada absolutamente nada então voltei a colocar o livro na estante ao lado do Gulliver's e voltei a pegar no meu livro o meu livro é o livro que ando a ler e fui ver se tinha sublinhado alguma coisa, vou na página 99 e só tenho esta frase sublinhada na página 53 "não é porque o burro deu um coice que se lhe vai partir a perna" mas esta também que me desculpes não te a vou mandar porque pode querer dizer muita coisa e então se mudasse só as palavras já era qualquer coisa e não ia ter contigo de mãos vazias vamos a ver "o burro não deu nenhum coice porque é que se lhe vai partir a perna" não esta também não é inocente e todos nós sabemos que o burro gosta muito de se fazer de vítima, matreiro o burro, o melhor é mandar as palavras com uma disposição ainda mais aleatória "porque é que lhe deu um coice se o burro não vai partir a perna" afinal foi a perna do burro que se partiu e já anda algum por aí a dar coices ao burro ao menos com esta frase ninguém alguém leia-se se aleijou,
Lugar
Há pouco tempo, voltei, mesmo sem querer, ao lugar onde tinha sido feliz, tanto tempo depois, dou por mim a lembrar-me daqueles dias de Inverno, do frio quebrado pelo sol, dos jardins, do quarto minúsculo e modesto, de ter jantado com o R., de ter bebido demais, estava feliz quando estive naquele lugar, nunca mais lá tinha voltado, só agora, passado tanto tempo, não notei grandes diferenças, até o quarto me pareceu o mesmo, lá estava o mesmo parapeito da janela que me voltou a servir de assento para fumar um cigarro, os mesmos gritos das gaivotas que ainda me deixaram dormir, voltei a ser tão feliz no mesmo lugar, mesmo sem querer, lembro-me agora de tanta coisa, de tanta coisa que também não me vou esquecer, já sei que posso lá voltar outra vez, é só uma questão de tempo, mas não sei se vou ser capaz, percebi que há lugares especiais, como este, onde só se deve voltar sem querer
Que é como quem diz porque é que não vão todos à merda?!
A vida da outra, daquela, sim, dessa mesmo, daquela que tem umas calças exactamente iguais às que eu queria comprar, lembras-te, eram caríssimas e nem sequer eram nada de especial, estás a ver, não estás ver quem é, aquela meio loura que encontrámos à noite com o manel, ou seria com o francisco, olha, já nem me lembro, ela sai com tantos, podem ser amigos, mas não me parece, bem, e isto hoje de amigos também é relativo, quando a vejo está sempre tão divertida e aos segredinhos, aquilo cheira-me que andam, não sei se com um, se com outro, mas lá que devem andar devem, ela não engana nada, se reparares bem, está sempre a insinuar-se, ri-se muito, o álcool também deve ajudar, sabes como é, agora que se apanhou como quer, pode fazer o que lhe apetece, imagino o que não deve ser, um reboliço, tem mesmo cara de cama, já sabes de quem te estou a falar, ai, não me consigo lembrar do nome dela, que chatice, mas quando a vires outra vez, vês logo de quem te estou a falar, a cara dela não engana ninguém e agora até anda sempre com uns decotes enormes, estás a ver, não é, eu acho, não tenho a certeza, mas disseram-me que ela até já se meteu com o namorado da cristina, incrível, há gente para tudo, hoje em dia, as mulheres são umas maria-vai-com-todos, não podem ver um homem, seja casado ou não, até me custa a acreditar, eu nunca pensei que ela fosse desse género, enganava bem, no outro dia, nem imaginas o que me contaram, imagina só, vieram dizer-me que andava metida com o chefe, pois, está-se mesmo a ver, esperta, assim junta-se o útil ao agradável, enfim, olha nem sei o que te digo, nem sei como é que consegue arranjar tempo, não tem vergonha nenhuma é o que é, e os homens, claro, uns tontos, não podem ver um rabo de saia, deixam-se ir na conversa, eu até já avisei a margarida, que é amiga dela, para lhe dar um toque, para lhe explicar que o meio é pequeno, que é chato começarem a falar e isso, mas parece que a miúda coitada ainda foi insultada de tudo e mais alguma coisa, ainda levou com o típico O quê?, Eu?, pois claro, fez-se de parva, grande lata, são todas iguais, enfim, vou andando, senão ainda me atraso e quero ver se consigo ver o último episódio daquela série fantástica com aquele tipo giro que se farta, ai amiga, ele é lindo de morrer, tem uns olhos lindos e já reparaste bem naquele corpo, viste no outro dia, naquela cena em que estava na cama com a mulher, um naco, então vá, beijinhos e olha, por favor, não comentes nada daquilo que te contei, o quê?, oh querida, aquilo sobre a vida da outra...
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
domingo, 25 de novembro de 2007
Grémio
sábado, 24 de novembro de 2007
Dizer NÃO
É das primeiras palavras que um bébé aprende a dizer, mas não é fácil, à medida que se cresce, dominar a arte de dizer não, é, por isso, que ensino, com especial empenho, a minha filha a dizer não, ainda que me tirem do sério, vou deculpando os nãos que tem sempre prontos para mim, a precipitação até já lhe causou embaraços, e quando lhe perguntava se só sabia dizer não, dizia-me que não... aproveito-os todos, para as aulas teóricas, quero que seja capaz de dizer não a algo ou a alguém que goste, sempre que for preciso, que conheça os limites, mas não se esqueça de desafiar a autoridade, que tenha coragem para recusar, sempre por bons motivos, estou convencida que ser especialista na técnica de dizer não é uma espécie de seguro de vida, ponderar, dão-nos segundos para hesitar, acertar na entoação, dizê-lo no momento certo, sem medo, não o banalizar, para poder continuar a dar-se ao luxo de disparar alguns só porque sim, também apetece...
Riscos
Já fiquei decepcionada com o filme depois de ler o livro, mas nunca me tinha acontecido preferir não ter visto um filme que tem uma das melhores bandas sonoras que já ouvi, onde é difícil escolher a música que gosto mais, que sou capaz de ouvir vezes sem conta sem me cansar, de me arrepiar com o piano, com a voz e com o sentido que todas as palavras me fazem, aconteceu-me ontem, até gostei do filme, é bonito e sem nos cansar mostra-nos coisas que a vida tem, mas está tão longe da força das músicas e das letras...
Natal
Acenderam hoje os enfeites de Natal na minha rua, senti hoje, pela primeira vez este ano, a histeria colectiva do Natal, já sei que vou fazer como sempre e comprar os prendas no último dia, se pudesse mudava a data do meu Natal, mas vou esperar pela minha filha para fazermos juntas a árvore...
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Casulo
Ainda o dia ia a meio, entre tanta coisa ao mesmo tempo, já preparava ao detalhe o melhor serão que escolhi para hoje, tão estranho em mim tamanha composição, pouco habituada a precauções, quando só a mim me toca, comprei o leite vigor e os bolos secos, não havia de canela, paciência, os únicos alimentos que o meu corpo aceita nestas alturas, e um chocolate magnum, talvez me apeteça um quadradinho, pequei num filme tão especial, a almofada branca já está no canto do meu sofá branco e a manta azul, macia, estendida à espera de me aquecer, sozinha, em silêncio, tenho tudo o que preciso para sossegar, eu sei o que foi, nunca falha, foi o amor da minha filha que me fez dar cada passo, calculista como não sei, enleei o casulo perfeito.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Sou tempo
Não gosto de revistas de decoração, sou incapaz de perder tempo de loja em loja à procura da mesa xpto, ou do tecido ideal para os cortinados perfeitos, não fui feita para conjugar, para as cores, que parecem multiplicar-se de dia para dia, nem para os padrões, cansativos, não gosto de idealizar espaços, não consigo, nem sei se gostava de ser capaz, prefiro dedicar-me ao tempo, aos momentos, esses sim, consigo antecipá-los, gosto de os imaginar a pensar que os vou viver, sou tempo, não sou espaço, sou gente, não sou coisas, contam-se pelos dedos das mãos, os objectos a que me apego, num repente, lembro-me do iPod, das suas lindas colunas, de um coração que trago ao pescoço e dos meus livros, e, mesmo no caso destes, não morreria se tivesse que os substituir, o dinheiro encarregar-se-ia de me dar outros, não guardo bilhetes de concerto, esqueço datas, nem gosto de coleccionar restos de festa, os que tenho não foi porque quis, mesmo as fotografias que tiro são sempre à minha filha, o único registo material que faço questão de guardar, o resto, muito, guardo em mim, talvez a nossa casa e o uso que lhe damos seja mesmo uma amostra do que somos, a minha acho que é, na minha casa durmo, penso, leio, escrevo e ouço música, na minha casa amo a minha filha, talvez seja por isso que, à beira de mudar de casa, sinta uma estranha indiferença, os meus sentimentos e emoções irão, quem sabe, no mesmo camião que o resto das minhas coisas, e na minha futura casa continuarei a viver e a sentir, aquilo que verdadeiramente me importa, se não for no meu sofá branco, será noutro parecido, senão me sentar à mesma mesa para escrever, será noutra quase igual, se não ler deitada de costas para a mesma parede, tanto me faz, despreocupada, entre o branco o preto, a simplicidade das formas e dos materiais e a força da luz, a única preocupação é que nada me distraia e o espaço nunca falte para as gargalhadas da minha filha,
Espelho
Há coisas que me chateiam, outras que me irritam, mas há muito poucas coisas que me zangam, até pode ser fácil sacar-me uma expressão ou palavras agressivas, eu não sabia, mas diziam-me que, nessas alturas, se me visse ao espelho conseguiria entender, nunca me tinha acontecido, os espelhos são poucos, mas, no outro dia, ensolarado, sentei-me, sem saber, em frente ao espelho mais fiel que alguma vez tinha encontrado, não me vi, não era eu, mas lá estava aquilo que me diziam, as linhas duras, a rispidez e as palavras a sair como balas num doloroso ricochete, finalmente conseguia perceber o que me diziam, que, afinal, mesmo quando não estou, nem quero, sou capaz de parecer muito zangada, nesse dia ensolarado, percebi, em frente àquele espelho, que também eu tenho essa disposição, a disposição para combater sempre que me tentam e conseguem mostrar que as minhas verdades são um embuste, custa-me, é verdade, que me digam que aquilo em que quero acreditar não existe, eu já sei, já nem acredito, mas, como vi naquele espelho, não conseguia admitir, nada me garantia que a trave-mestra não poderia começar a ceder, e, por isso, continuava a teimar, a forma que encontrava para me proteger, mas, depois daquela tarde ensolarada, depois de me ter visto ao espelho, consegui perceber que as mentiras, mesmo as mais bem-intencionadas, não me fazem bem, que as suas pernas curtas não me deixam correr, hoje, depois de me teres feito de espelho, deixa-me rir, não consigo evitar, vejo a mentira a querer saltar-te pelos olhos, e tu, aflito, a fechá-los com muita força, a tentar partir o bico do teu lápis que te atraiçoa, a tentar sem conseguir, deixa-me sentir enternecida com o teu esforço, afinal entendo-te tão bem, mas também sei que há espelhos que não mentem, que os nossos olhos podem querer ver diferente, o que não sei é por quanto tempo se consegue fintar a verdade, a mim demorou, foi preciso sentar-me à tua frente
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Estrela do Mar
Já passaram mil anos sobre o nosso encontro
Mas mil anos são pouco ou nada para a estrela do mar
Viva
Antes de tudo, viva o Rei Sol, o Inverno anda esquecido e eu agradeço, já que não posso fazer o mesmo, e depois viva o Jorge porque continua igual a si mesmo, brilhante e genial, solto como só os bons conseguem, pela indiferença aos enganos e às partidas que a sua voz lhe vai pregando, os aplausos nunca lhe faltam, pela genuinidade e sensibilidade, a emoção com que canta as suas músicas não é sempre a mesma, pela espontaneidade e pelo à-vontade que fascinam, pela falta de sobriedade que tanto falta neste mundo de formatados, um viva pela música e pelos poemas e por tudo o que me faz esquecer, afinal, até o Jorge sabe, pelo menos ontem decidiu mudar a estrofe, há sempre alguém que ajude.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Achado
Histórias II
Lembro-me de te ter dito muitas coisas, mas lembro-me agora de duas, de ter ter dito que a nossa história não acabou e que a vida é que se vai encarregar de desatar o nó, não te sei dizer porquê, mas continuo a acreditar nestas duas coisas que te disse, a vida vai encarregar-se, já começou, de mostrar-me se tenho ou não razão.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Esquecimentos II
Vou fingir que tudo corre sobre rodas, que o mundo não ameaça cair-me em cima, porque, admito, começo a ficar cansada de pensar, quanto mais de escrever, nos contratempos, vou chamar-lhes assim, que teimam em saltar nem sei bem de onde, tipo coelhos da cartola de um mágico, vou fingir que não choveu e que o Inverno, afinal, não se esqueceu que existe e vou tentar lembrar-me só do lado positivo dos meus últimos dias, lembrar-me que já marquei a festa do sexto aniversário da minha filha, que crescida está, que ainda cheguei a tempo de lhe dar um beijo de boa noite, que amanhã vou ver um grande compositor e ouvir músicas e letras brilhantes, que, afinal, ao contrário do que supunha, até consegui trabalhar e saí com a sensação de dever cumprido, que, apesar de me ter esquecido de comprar leite, ainda tenho uns pacotes de leite com chocolate para o pequeno-almoço de amanhã, que consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo e que, apesar de não ter uma mãe que me descasque romãs, como uma querida amiga minha, ainda tenho mãe e que, apesar de não me lembrar do seu colo, ainda vou sendo capaz de a ajudar nas partidas que ela e a vida, justiça lhe seja feita, me vão pregando, vou lembrar-me que o presente e o futuro não apagaram todo o passado, ainda bem, e não me vou esquecer que amanhã vou acordar e encontrar o sorriso mais lindo que alguma vez vi, que é melhor que venha tudo de uma assentada, antes do merecido descanso...
domingo, 18 de novembro de 2007
sábado, 17 de novembro de 2007
Imaginação
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Tempo II
Para apaziguar o desassossego da minha filha linda, já a sinto mais tranquila, mais solta, menos carente de mamã, para cumprir a primeira etapa da avaliação emocional e cognitiva, para ler Oscar Wilde – Those who find beautiful meanings in beautiful things are the cultivated. For these there is hope. They are the elect to whom beautiful things mean only Beauty –, para recordar o concerto da véspera, para olhar para o meu búzio de Inhaca, para comprar bens de primeira necessidade, para organizar o caril e a mousse de chocolate, para escrever e, bastou-me este tempo, pouco mas precioso, e tudo o que ele me deu para, de lança em punho, continuar a dar a minha volta por cima...
Paciência
Não consigo entender, culpa minha, os que parecem gostar de sofrer e alimentam a auto-flagelação, falta-me paciência para os que parecem gostar de unhas encravadas...
Concerto II
Há sorrisos que nunca ficam sem resposta, pela beleza e pela espontaneidade, mal entrou em palco, foi um enorme e contagiante sorriso o que vi primeiro, e respondi, durante mais de uma hora, reparei tantas vezes no mesmo sorriso, acho que nunca deixou de sorrir, respondi tantas vezes, soube-me tão bem sorrir, fez-me tão bem responder, uma troca de sorrisos que me fizeram cantar e dançar, me levaram de volta ao Brasil, onde me sinto sempre tão bem, a Natal, onde percebi que já não me lembrava de tanta coisa, sorrisos que embalaram as músicas e me deram vontade de agarrar tantas, mas tantas frases e torná-las só minhas, de misturar todas as letras e fazer uma canção especial, não sei se minha, não sei se nossa...
Ilegais
Desse jeito vão saber de nós dois
Dessa nossa vida
E será uma maldade veloz
Malignas línguas
Nossos corpos não conseguem ter paz
Em uma distância
Nossos olhos são dengosos demais
Que não se consolam, clamam fugazes
Olhos que se entregam
Ilegais
Eu só sei que eu quero você
Pertinho de mim
Eu quero você
Dentro de mim
Eu quero você
Em cima de mim
Eu quero você
Desse jeito vão saber de nós dois
Dessa nossa farra
E será uma maldade voraz
Pura hipocrisia
Nossos corpos não conseguem ter paz
Em uma distância
Nossos olhos são dengosos demais
Que não se consolam, clamam fugazes
Olhos que se entregam
Olhos ilegais
Eu só sei que eu quero você
Pertinho de mim
Eu quero você
Dentro de mim
Eu quero você
Em cima de mim
Eu quero você
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Sei
Outro... Porque será que, de repente, surgem de todo o lado, sem parar, como se se tivessem juntado à esquina e decidido aparecer todos de enfiada... Às vezes, penso que não sei como ainda consigo reagir, vou conseguindo, às vezes, acredito que sou uma super-mulher, que chora, deixem-me acreditar, preciso tanto... É uma fase, dizem-me, eu acredito... Só pode ser...
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Haver
- Chegar a casa e receber sorrisos de alegria;
- Chegar a casa tranquila porque não vou pagar o custo do olhar e das palavras;
- Chegar a casa e, depois da casa já sossegada, respirar o silêncio;
- Chegar a casa e, depois da casa já sossegada, ler, escrever, ouvir música, ou, simplesmente, olhar para o tecto sem ter que explicar o que vejo.
- Chegar a casa sem antes ter que explicar o chegar a casa;
- Chegar a casa e, depois da casa já sossegada, depois de ter feito o que me apetece, deitar-me sossegada e poder acender a minha luz, tão suave, ligar as minhas colunas, lindas, estilo retro do iPod, ler as últimas páginas, enroscada no meu endredon leve e quente e deixar-me levar pelo sono até o livro cair para o lado;
- Chegar a casa e não ter que ouvir um não te esqueças de pôr uma máquina a fazer;
- Chegar a casa quando me apetecer, se me apetecer e como me apetecer;
- Chegar a casa e sentir o que me apetecer;
- Chegar a casa...
- Chegar a casa tranquila porque não vou pagar o custo do olhar e das palavras;
- Chegar a casa e, depois da casa já sossegada, respirar o silêncio;
- Chegar a casa e, depois da casa já sossegada, ler, escrever, ouvir música, ou, simplesmente, olhar para o tecto sem ter que explicar o que vejo.
- Chegar a casa sem antes ter que explicar o chegar a casa;
- Chegar a casa e, depois da casa já sossegada, depois de ter feito o que me apetece, deitar-me sossegada e poder acender a minha luz, tão suave, ligar as minhas colunas, lindas, estilo retro do iPod, ler as últimas páginas, enroscada no meu endredon leve e quente e deixar-me levar pelo sono até o livro cair para o lado;
- Chegar a casa e não ter que ouvir um não te esqueças de pôr uma máquina a fazer;
- Chegar a casa quando me apetecer, se me apetecer e como me apetecer;
- Chegar a casa e sentir o que me apetecer;
- Chegar a casa...
Não esquecer II
Dos sorrisos sarcásticos carregados de ironia que ainda me querem culpar e acusar de males sentidos e outros que nem existem.
A pedido de várias famílias
Não gosto que os outros aumentem os meus dramas, que os alimentem e lhe dêem mais dimensão do que aquela que me convém, sou eu que os controlo, que os acendo e apago, à medida das necessidades, e não convivo bem com a dramatização do que a mim me diz respeito, até porque, apesar de uma certa veia de escritor russo, parto do princípio de que tudo se resolve, que, embora não pareça, certas coisas e certos comportamentos são normais, naturais, no mínimo, têm uma ou várias explicações e se estão errados, podem sempre ser corrigidos, é por isso, que resisto e não quero valorizar, tanto mais que tenho a mania de achar que me conheço muito bem, a mim e à minha filha, que sou muito intuitiva e sensata na gestão dos sentimentos que nos afectam, bem tento fazer o pino para ver os factos de pernas para o ar, mas nem mesmo assim, encontro um drama, mas, como pelos vistos sou só eu a ter tantas certezas e a sentir-me tão tranquila, a pedido de várias famílias, não vá eu estar enganada, o que acontece, lá estarei para ouvir quem sabe e nunca se engana.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Cadeira
Não tenho muitas cadeiras, as suficientes, cada um que chega sabe sempre onde se sentar, como se há muito o lugar estivesse marcado, vão-se sentando, naturalmente, sem convite, gosto desta informalidade, afinal, são como se fossem da casa, mas há uma, não sei bem porquê, que está sempre reservada, continua, ainda, guardada, às vezes, dou por mim a pensar se valerá a pena mantê-la, a reserva, se não deveria deixá-la, a cadeira, livre, mas o que é certo é que ainda não fica ninguém de pé, não me permitiria a tamanha indelicadeza, por isso, está claro, enquanto não faltarem cadeiras, aquela vai continuar reservada.
Gosto IX
Como gosto do mais ou menos, do morno, do nem muito, nem pouco, do tanto faz, do pode ser, de me sentir em slow motion...
try again. fail again. fail better. (samuel beckett)
try again. fail again. fail better. (samuel beckett)
Casa comigo?!
Não fui feita para estas coisas, mas lá me deixei ir na corrente e hoje, ai que já é ontem... vá lá, foi só por um minuto... não fui mesmo feita para estas cenas, decidi tirar, à sorte, de olhos fechados, um pacote de açucar daqueles da publicidade ao Nicola, eu que não bebo, não gosto de café, para ver o que me saía na rifa, então aqui vai, Um dia peço-te em casamento. Hoje é o dia, porque não quero faltar ao que me saiu à sorte, não vá o Diabo tecê-las, aqui vai, Leonard Cohen, tu que nunca te casaste, eu também não, casa comigo?! É hoje o dia!
"In My Secret Life"
I saw you this morning.
You were moving so fast.
Can’t seem to loosen my grip
On the past.
And I miss you so much.
There’s no one in sight.
And we’re still making love
In My Secret Life.
I smile when I’m angry.
I cheat and I lie.
I do what I have to do
To get by.
But I know what is wrong,
And I know what is right.
And I’d die for the truth
In My Secret Life.
Hold on, hold on, my brother.
My sister, hold on tight.
I finally got my orders.
I’ll be marching through the morning,
Marching through the night,
Moving cross the borders
Of My Secret Life.
[Looked through the paper.
Makes you want to cry.
Nobody cares if the people
Live or die.
And the dealer wants you thinking
That it’s either black or white.
Thank G-d it’s not that simple
In My Secret Life.]
I bite my lip.
I buy what I’m told:
From the latest hit,
To the wisdom of old.
But I’m always alone.
And my heart is like ice.
And it’s crowded and cold
In My Secret Life.
domingo, 11 de novembro de 2007
Avô
Então Manel,como estás?, Então filhinha, cá estamos!, era sempre assim, sempre igual quando nos víamos, das últimas vezes o meu avô estava sempre sentado no mesmo sofá, junto à janela e em frente à televisão, já não tinha as duas pernas, comidas pela diabetes, uma de cada vez, a segunda já lhe custou menos, senti-o nos olhos dele, a tristeza dos olhos que tentava tanto, mas não conseguia, de mim não, esconder com o seu sentido de humor, a boa disposição que guardava especialmente para mim, para me agradecer as visitas, as palavras e os beijinhos, e até a cadeira de rodas eléctrica que o fazia viajar até ao café para conversar com os amigos, estas viagens que lhe custaram umas quedas, também os olhos, apagados pela diabetes, confundiam as mãos, entre o travão e o acelerador, das últimas vezes, já não me sentava ao colo do meu avô, mas os nossos olhos falavam tanto, das últimas vezes, o meu avô já estava deitado no hospital, à espera de morrer, sabíamos os dois, e todos os dias mandava pela minha mãe beijinhos às meninas, eu e a minha filha, ainda projecto de três meses, ninguém sabia mas todos lhe diziam que ele ia ter um bisneto, mas ele não fazia caso, ele sabia, e eu também, que seria mais uma neta, que se a vida lhe tivesse dado mais uns meses ele iria fazer como comigo, amá-la como se fosse o pai, hoje o meu avô já não está sentado naquele sofá, morreu no dia 1 de Maio de 2001, feliz coincidência para quem sempre se orgulhou de votar no PCP, mas eu ainda o sinto a rir-se para mim, enquanto chorava por dentro.
Já me tinham dito
Nada como horas e horas seguidas de sono profundo para ver mais claro, para que tudo pareça mais fácil, demorei hoje uma hora a escrever o que ontem tentei durante toda a tarde, quero ver se para a próxima não me esqueço que não vale a pena, que mais vale deixar de insistir, deixar a alma ir descansar com a ajuda da almofada de bolinhas...
sábado, 10 de novembro de 2007
Amigos
Hoje, sem decidir, tirei o dia para me entreter a sofrer, por tudo e por nada, chorei e senti-me a pessoa mais miserável do mundo, ridículo, eu sei, mas há dias assim, quando já não se consegue adiar o confronto com a realidade, necessário, hoje precisei dos meus amigos e eles estavam lá, ao primeiro toque... tão bom!
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Porquê?
Porque é que a vida me obriga a ser agreste com a pessoa que mais amo, com a única pela qual tenho um sentimento puro e incondicional, eu sei que faz parte da vida, mas fico com o coração num pingo sempre que tenho que ser dura com a minha filha, sempre que lhe tenho que explicar que há coisas que não se pode nunca fazer, por muita vontade que se tenha, esforço-me para que entenda que o que lhe digo é para o seu bem, faz-lhe falta para crescer, gostava tanto que ela conseguisse perceber, mas sei que ainda não é capaz, vai sendo, e depois acabo por sentir medo de ter sido demasiado exigente, mas depois percebo que não, que há coisas que não podem deixar de ser ditas no momento certo, que o mal-feito obriga a sacríficios e o bem-feito merece recompensas, as leis da vida...
Pergunta
E então, já encontraste o rumo da tua vida?
Não encontrei, nem estou à procura, aquilo que procuro é apenas viver, sem me apoquentar com o que a vida me vai dar, ou inquietar-me por querer saber para onde ela me vai levar, o que me move é a corrente da vida, e acredito que irei desaguar nalgum sítio, quando e onde não sei, nem quero saber...
Não encontrei, nem estou à procura, aquilo que procuro é apenas viver, sem me apoquentar com o que a vida me vai dar, ou inquietar-me por querer saber para onde ela me vai levar, o que me move é a corrente da vida, e acredito que irei desaguar nalgum sítio, quando e onde não sei, nem quero saber...
Preconceito
Dizem que o amor não tem idade, que não olha aos anos, não acredito, que grande mentira, uma ideia romântica, que serve para entreter os que querem enganar a mãe-natureza e que se usa para justificar as excepções, não acredito porque as coisas simples, que começam por parecer pormenores, por ter piada, transformam-se, com o tempo, em desequilíbrios, que amarram o amor, livres da diferença ficam, isso sim, outros sentimentos, a ternura, o carinho, a amizade, quanto muito a paixão, e as sensações, o sexo não se aflige com este preconceito.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
Desconcerto
Saiu para jantar, depois de um dia de sossego, entre a cama e o sofá, cheio de tempo para tudo e para nada, antes de fechar a porta agarrou no Délices, estava pronta, sentia-se no seu pedestal, era o que tinha e gostava, esperavam-na e antecipava a diversão e o desprendimento da noite, que lhe sabia sempre tão bem, a música, o embalar do corpo, o calor, o prazer de se sentir, muito, o que lhe apetecesse, sabia, ainda não tinha fechado a porta, que talvez lhe apetecesse acordar mais uma vez, no dia seguinte, inebriada, mas sabe, ainda nem fechou a porta, que, desta vez, irá abrir os olhos em câmara lenta depois de um sono apaziguador, sem desconcertos, fechou a porta e deixou dentro de casa os seus instintos, bem guardados para desconcertar mais tarde...
Dor
Ainda tenho uma dor lancinante no peito, há-de passar, mas ainda não descobri o antídoto...
Quem me dera descobri-lo, se fosse capaz, não dormiria, passaria as horas num laboratório a ensaiar, todas as horas que fossem precisas para to dar...
Quem me dera descobri-lo, se fosse capaz, não dormiria, passaria as horas num laboratório a ensaiar, todas as horas que fossem precisas para to dar...
Filha VI
Quando sinto a tua pele, assim na cara, nos braços e no pescoço, és a melhor mãe do mundo, do sol, da lua, do espaço e de tudo o que rebola.
Subi até às nuvens, abracei-a e disse-lhe que era a coisa mais importante da minha vida.
Subi até às nuvens, abracei-a e disse-lhe que era a coisa mais importante da minha vida.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
Projecto IV
Concluído, embalada pelas músicas de INXS, aliviada pelas mãos do B., uma maçã que apetece morder, entretida com a suavidade e as pausas para descansar, vamos fumar um cigarro, esqueci-me dos incómodos, fiquei vaidosa, está muito bem, vou voltar para lhe mostrar, dentro de 20 dias quero vê-la, lá estarei sem falta, pelo menos, mais uma vez...
A partir de hoje...
...durmo com Magritte todas as noites, o meu inconsciente agradece e eu aproveito, pelo menos à noite, para me libertar de tanta lógica e razão que, nos últimos tempos, alguns amigos queridos me querem dar, eu agradeço, sei que me querem bem, mas o que tenho basta e sobra, não me quero diferente, porque me quero cada vez mais sensitiva, as teorias psicanalíticas de Freud explicam o meu surrealismo...
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Gaivota
Os lábios, depois a língua, as mãos também, uma de cada lado, como uma moldura, apertam os beijos, já não fogem, tudo parou, os olhos também, só o corpo dança uma música atrás da outra, sem se cansar, despreocupado, conhece de cor todas as notas, até parece cantar, canta, vê-se, não se engana, nunca, improvisa, experimenta, treme mas não hesita, treme de prazer, só, e não pára, não quer, não pode, tem tempo, está quente, molhado aquele corpo, mas nunca se cansa, são os dedos entrelaçados que se apertam com tanta força que lhe mostram que tem que parar... foi uma gaivota, acho, que viu e contou-me...
Jardim
Orquídeas, não podiam faltar as rosa-escuro, e jarros, os roxos e os laranja-escuro, claro, muitos, estudadamente espalhados, nenhum vaso tinha sido escolhido ao acaso, o cheiro inundava o cubo de vidro, o verde e o colorido das flores brilhavam contra a transparência daquelas paredes, que só serviam para deixar entrar todos os raios de sol, que só serviam para aquecer o coração e as tintas prontas para entrar pela tela adentro, sem planos, sem pressas, dividia-se entre o pincel e o lápis, sempre à mão para sublinhar o livro, entre o cavalete e a 'chaise longue', entre a paixão e o amor, entre o fogo e o ar, sempre em combustão, encontrava na água do chá a escaldar o aroma da bergamota, e na caxemira do casaco a suavidade do tempo, na música, sempre ao sabor do momento, sentia as notas a entrar-lhe pelos poros, a calma ouvia-se tão bem, sabia que estarias para chegar e que, como de costume, distraída, só iria dar por isso quando a apertasses por trás e lhe desses um beijo quente no pescoço, quando encostasses o teu nariz para cheirar o Délices que encontras em tudo, virou-se e satisfez o desejo solto de um abraço apertado, do corpo e dos lábios frios de final de tarde de Inverno
Dark Side of the Moon
Afinal a história repete-se e a mesma água passa duas vezes por debaixo da mesma ponte, como se enganam os que distribuem lugares-comuns para assustar os sonhos, frases feitas que apenas têm a utilidade de fazer a vida andar bem junto à terra, mas que não são capazes de enganar a lua, o seu lado escuro guarda, a milhares de quilómetros, as razões para o que muitos chamam coincidência ou casualidade, eu já não me deixo enganar, nem me deixo convencer com a teoria dos eclipses, eu já vi a vida repetir-se com requintes de prazer, duas vezes, muitos anos depois, voltei ao sofá da sala daquela casa naquela travessa do Bairro Alto, lembro-me do tempo parado à nossa volta a proteger-nos do mundo, das certezas absolutas e imediatas dos nossos olhos, que nunca hesitaram, tudo tão simples, perfeito, da chama das velas, ainda consigo ouvir a música e não consigo deixar de me rir quando me vejo a saltar-te para o colo, quando as minhas pernas te faziam de cinto, pedias-me tanto e brincavamos como dois miúdos, eu ganhava balanço, corria, e tu estendias os braços, os meus serviam só para segurar os beijos, não é saudade ou melancolia o que sinto, sorrio e penso que a história se repetiu tanto tempo depois, como se tivesses morrido e voltado a nascer de propósito só para mim, lembro-me agora de uma coincidência, talvez uma simples casualidade, nascemos juntos, que tontos devíamos ter parecido a quem nos viu quando descobrimos que tu eras mais velho que eu cinco minutos, talvez seja por isso que cada vez que me nasces eu só demoro cinco minutos a encontrar-te...
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
Cor
Preto e branco, são estas as duas cores do meu guarda-roupa, porque gosto, porque é simples e porque, assim, fujo da difícil tarefa das combinações e das ligações, de preto e branco, como num luto permanente, só quem for capaz de ler os meus olhos saberá de que cor me sinto, às vezes, distraio-me ou esqueço-me e caio no erro de me vestir da cor que trago por dentro, mas logo me dou conta da incauta decisão.
domingo, 4 de novembro de 2007
Gazeta
Nada como uma bela tarde de sol a fazer gazeta por uma boa companhia para acalmar os meus finos cristais, agora não ouço nada a estilhaçar, que alívio!
Como nos filmes...
Filha V
Mamã, gostas mais do computador do que de mim!, ups... foi-me dito ontem à noite, depois de ter passado a tarde comigo mais para lá do que para cá, esforço-me mas, que merda, nem sempre consigo, até ela nota o meu desassossego, não pode ser, eu sei que sou mulher, mas nunca me posso esquecer que quando estou com a minha filha sou e serei sempre apenas mãe...
sábado, 3 de novembro de 2007
Gosto VIII
Como gosto de me sentir frágil, parece que por dentro, a qualquer momento, alguma coisa estilhaça, eu, que tenho a mania que sou a super-mulher, que consigo dar conta de tudo e continuar em frente com toda a força, de facto, tem sido assim, mas há dias, vai-se lá saber porquê, em que me sinto à beira de partir em mil pedaços, há dias, em que tenho medo que isso aconteça e que nem a super-cola-tudo me consiga reconstruir, o que me vale é que é um medo que passa, sacudo-o mal o vejo a assomar-se, não me chega a amedrontar, mas deixa-me vulnerável, capaz, se assim o pudesse, de me enroscar e dormir para só acordar quando deixasse de ouvir o estalar das minhas entranhas, e despertar num colo grande e macio que me sossegasse e me garantisse que vai tudo passar, e eu, eu ia acreditar, costumo acreditar, agora, digo-me e acredito, sei que vai passar.
É sempre bom lembrar
- Mamã, nós estamos no futuro, não estamos?
- Não filhota, agora é o presente, daqui a dois minutos, já é o futuro.
- Dois minutos não, vinte anos!
- Daqui a dois minutos também já é futuro, há diferentes tipos de futuro, o futuro mais próximo e o mais longe.
- E o passado?
- Há dois minutos atrás, já é passado.
- Não, não! Passado era quando eu estava na tua barriga!
- Também há vários tipos de passado. Quando a mamã era da tua idade, é passado e está mais longe do que quando estavas na minha barriga...
- E o que é o presente?
- É o agora, o que está a acontecer.
- Não filhota, agora é o presente, daqui a dois minutos, já é o futuro.
- Dois minutos não, vinte anos!
- Daqui a dois minutos também já é futuro, há diferentes tipos de futuro, o futuro mais próximo e o mais longe.
- E o passado?
- Há dois minutos atrás, já é passado.
- Não, não! Passado era quando eu estava na tua barriga!
- Também há vários tipos de passado. Quando a mamã era da tua idade, é passado e está mais longe do que quando estavas na minha barriga...
- E o que é o presente?
- É o agora, o que está a acontecer.
Ponto prévio II
Entro no jornal, devia ir à reunião da manhã, dantes eles exigiam, mas agora já só vou quando consigo, às vezes só mesmo quando me apetece, ainda não sei se hoje me vai apetecer, se me vou despachar a horas, acho que hoje a C. não tem colégio, talvez ela esteja com o J. e eu nem sequer esteja em Lisboa, bem, de qualquer forma, se entrar hoje no jornal, devo começar o dia como sempre, vou sentar-me no meu lugar, espero, mas duvido, que os jornais já estejam na secretária, talvez me irrite porque me falta o Wall Street, mas faz parte, já ninguém liga, nem mesmo eu, ligo o computador, entro no msn, abro a net e o outlook, vejo os mails, folheio e vejo as gordas para ver se perdi alguma coisa importante, enquanto limpo parte da papelada que se acumula na secretária, e, depois de ter uma primeira impressão do dia, vou até às escadas, sento-me num degrau a fumar um cigarro, penso no que terei que fazer, faço conversa com quem lá estiver, e depois respiro e preparo-me para o dia que acelerará como sempre até esgotar, entretanto, havemos de nos cruzar, falaremos sobre tantas coisas de trabalho, vou olhar-te nos olhos sempre que for preciso, e, ao longo dos dias, saberás sempre que existirão coisas que nunca me vou esquecer e outras que já nem me lembro, começando pelas primeiras, não me vou esquecer que somos colegas de trabalho, só, não me esquecerei que seremos só óptimos profissionais e que, como tal, nada, mas mesmo nada, nos distrairá dos dias que já são tão difíceis, serão estas e tantas outras coisas que não quero e não me vou esquecer, depois existem aquelas que já não me lembro, porque não valem a pena e outras, mais recentes, que terão a sua explicação mas que não importa porque me estou a esquecer, resumindo, entre esquecimentos e lembranças, trabalharemos juntos, ponto.
Há muito tempo
Espero ao menos ter-te ensinado a gostar do piano, das palavras, porque é difícil, do Peter Hammil. Agora, lembro-me do Touch and Go do álbum None of the Above. Palavras e músicas sabemos nós que sabemos trocar, nem é preciso mais. Muitos beijos.
A primeira manhã fria que senti este ano, a caminho do Leste, valeram-me os cigarros e os óculos de sol.
A primeira manhã fria que senti este ano, a caminho do Leste, valeram-me os cigarros e os óculos de sol.
Acontece
Fui trocada por uma televisão, não foi a sensação mais agradável, mas, enfim, tentei entender, também eu sei que um écran animado pode ser bem mais interessante e relaxante, podia ter sido pior, aproveitei para terminar o meu livro, estava desejosa porque já escolhi o próximo.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
O Piano
Peter Hammill - Touch and Go
Between the light and the shadow,
out of the corner of my eye
I saw your feathers all ruffled,
anticipating the sky....
You've got no reason to stay,
day by day your impatience has grown.
I'm caught between the devil and the deep blue sea, I know.
I'm reaching out
but we are touch and go.
Making a meal of the moment
I might cook up a story or two,
but the dish of the day's getting colder
and I know that, pretty soon,
you'll pick up your bed and walk,
open your wings and fly away from me
across the leaden, hammer-headed sky
while I can't breathe a word,
no matter how I try.
So scared
it shows
that we are touch and go.
I never brought myself to tell you
how you kept all my demons at bay
but my silence came out as indifference
and now my diffidence has driven you away.
You'll be the one with the wings,
I'm going down in flames,
still mouthing out the mystery, my angel, of your name.
How touch and go our tenderness became.
(So scared to show
I know we're touch and go)
So touch and go,
so much I can't explain.
(So much is unexplained.)
Deste-me outro, o do Tom Waits em Broken Bicycles
Between the light and the shadow,
out of the corner of my eye
I saw your feathers all ruffled,
anticipating the sky....
You've got no reason to stay,
day by day your impatience has grown.
I'm caught between the devil and the deep blue sea, I know.
I'm reaching out
but we are touch and go.
Making a meal of the moment
I might cook up a story or two,
but the dish of the day's getting colder
and I know that, pretty soon,
you'll pick up your bed and walk,
open your wings and fly away from me
across the leaden, hammer-headed sky
while I can't breathe a word,
no matter how I try.
So scared
it shows
that we are touch and go.
I never brought myself to tell you
how you kept all my demons at bay
but my silence came out as indifference
and now my diffidence has driven you away.
You'll be the one with the wings,
I'm going down in flames,
still mouthing out the mystery, my angel, of your name.
How touch and go our tenderness became.
(So scared to show
I know we're touch and go)
So touch and go,
so much I can't explain.
(So much is unexplained.)
Deste-me outro, o do Tom Waits em Broken Bicycles
Projecto III
Plástico durante três dias? Tinta a mais? Crostas? Comichão? Creme durante duas semanas?
Filha III
Tão bom, estes dois dias, não ralhei, só um bocadinho, o amor, tão grande, sempre na ponta da língua – Gosto mais de ti! Não, eu é que gosto!! Eu!!! Não, euuuuu!!!!! –, o sorriso que me desfaz, os pulos de alegria quando me vê à porta do colégio, as bochechas que não desaparecem, os abraços, as histórias contadas com ela deitada em cima de mim, as costinhas, as boas noites com um ritual de beijinhos inventados e que se multiplicam para atrasar o até amanhã – o especial, o bombástico, o salti-pula-lula, o narizinho, o especial e o segredo –, as gargalhadas e os planos para mais um dia só nosso, tão bom...
Lavar
Mais uma vez, no cabeleireiro, pensei como seria bom que me lavassem a cabeça, também por dentro...
Viver II
O elefante nunca esquece os passos que dá.
Nunca queiras saber o futuro. O futuro é algo que, como ainda não aconteceu, muda muitas vezes até acontecer.
Nunca queiras saber o futuro. O futuro é algo que, como ainda não aconteceu, muda muitas vezes até acontecer.
Olhos II
Não sabia o que fazer, desde que te contei tudo, ficamos sempre pelo até logo , tu, muitas vezes, fazes questão de me devolver um adeus, não sabia o que fazer, quando nos encontrámos, sem querer, sem eu querer, tarde demais, quando já me tinha deixado levar pela música e pelo álcool, tive algum tempo para pensar enquanto abraçava uma amiga comum que nunca mais tinha visto porque não quis, e, entretanto, decidi dar-te um beijo na cara, não dois, um, e acho que sentiste que foi especial, mais importante do que os que dou aos meus amigos, desculpa, mais uma vez desculpa-me pelos teus olhos tristes, estalo por dentro cada vez que os encontro, ainda tristes... senti também uma pequena raiva por me veres nos nossos sítios sem ti, percebo, mais um até logo e fui estalando, pelo meio de gente, até encontrar a porta para te deixar sozinho, agora, penso que bom será quando, um dia, te puder abraçar com muita força e dizer-te que continuas a ser muito importante na minha vida, que nunca deixarás de ser... vou fazer uma sopa para a nossa filha...
Mundos
«Se o mundo for demasiado grande... logo se verá...». Procuras outro, há tantos mundos, será que ainda não te deste conta, já te disse isso tantas vezes, já fiz o que devia, aquilo que achava que estava certo, agora só depende de ti, o resto não está nas minhas mãos.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Histórias
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